Trinta e tantas coisas

 
Me pro-curo em facetas que eu não conhecia, em mentiras que eu não contava, em verdades que eu não sabia… meu abismo é maior do que eu pensava.
 
Ser eu já virou história antiga, agora mesmo é, e agora após a vírgula que fui. Tudo que é foi e eu vou sendo a desmedida exata na medida da vida.
 

Leve estar

Mover-se em direção às lembranças é reviver um vivido que é sempre e sempre será, porque não lembramos o que não foi. E se não foi, por não lembrarmos, é como que não se existiu.
Existimos e continuaremos existindo, com o peso-leve de nos carregarmos sós, até que um dia leve, leve nos levemos em nós.

Te lembro, com o peso-leve de tua lembrança em mim!

O que eu quis que soubesse

Na janela de sua casa
Vi a fresta, vi o vão
Pela tela, a vi deitada
E lancei-me a contação

De cá, da minha calçada
Eu pintei minha ilusão
Vendo-a assim, tão desarmada
Pus a tinta em minhas mãos

Passeamos por suas salas
Juntos, eu e a solidão
Construímos a sacada
Pomos luz na escuridão

E subimos as escadas
E descemos té o porão
Vendo-a assim, tão desarmada
Não ouvi minha razão

Pois razão nenhuma achava
Era a imaginação
Com as janelas sim serradas
Visitei seu casarão

Adentramos toda a fala
Pé-a-pé, mão-ante-mão
Cada canto se inventava
Pela força da expressão

Certa hora ouvi risadas
Lá no fundo uma canção
Corri tanto a procurá-la
Que perdi a solidão

Fui até o fim da casa
Lá no fim tinha um portão
Com a trava bem fechada
E um escrito feito a mão:

“Bem-me-quer, tem a entrada!
Mal me quer, não entra não!
Essa é a sala mais cuidada,
Pode entrar de pés no chão?”

Me pintei todo de calma
Pra não criar confusão
Pus num canto minhas sandálias
E entrei em seu salão

Uma mesa toda ornada
Com as marcas do artesão
Bem no meio se avistava
Reluzia um clarão

Na parede, já pintada
Paz e amor, fogo e paixão
E o chão em cor brilhava
Feito a brasa do carvão

Todo teto espelhava
O universo, a amplidão
Via eu, ela e o nada
Dentro da imensidão

A olhei ali parada
Feito santa em procissão
Vendo-a assim, tão desmedida
Comovi-me de emoção

Era tanto onde morava
Que perdi-me da razão
vi-me assim, tão desarmado
Que casei-me com a ilusão.

A Flor

Dura no tempo a flor
O tempo que a flor tem que durar
Mas na memória
Permanece a flor

Dentro do olhar o azul
Onde o azul tem que morar
Dentro do céu
Cada azul tem seu tom

Eu quero em teu tempo deitar
E te relembrar de manhã
Mesmo que ao final
Me reste a flor

Deixa no céu o azul
E toda a poesia no olhar
Eterno em meus olhos
ser um momento
seu tom, sua cor

Se de repente não for
Eu juro que não vou me importar.
Nada é passado,
Se o sentido ficou

Dura a cor, Dura o tom
Fica a flor
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Luis Kiari / Torcuato Mariano