Chora sertão

Já faz seis meses que não chove no sertão
Já não há mais um pingo d água no açude
Eu já chorei, eu já rezei mais do que pude
Pedindo, ao nosso Deus do céu, que nos ajude
Já não há mais comida, nem pros carniceiros
E os passarinhos, que cantavam no terreiro
Bateram asas para longe do sertão
E voltarão, quando a vida aqui voltar
Quisera eu, ó Deus do céu, tivesse asas
Pra que eu pudesse passarinho acompanhar
Quisera eu, ó Deus do céu, tivesse asas
Pra que eu pudesse passarinho acompanhar
Chora sertão, com o teu pranto, planta aqui neste lugar
Uma esperança, um alento certo e sem demora
Pra passarinho pra essa terra regressar
Chora sertão, e vai dizer ao sol que arde, sem cessar
Que ele não coma mais o verde desse chão
Pra passarinho nesta terra em paz morar
Só quem viveu, neste lugar
Sabe que a terra, tudo dá
Não vou deixar o meu sertão
Pra ir viver na contramão
Se é pra sofrer, eu sofro por cá
Sei dos perigos que há por lá
Pra ter fartura e verde chão
Basta encharcar o meu sertão
Chora sertão, com o teu pranto, planta aqui neste lugar
Uma esperança, um alento certo e sem demora
Pra passarinho pra essa terra regressar
Chora sertão, e vai dizer ao sol que arde, sem cessar
Que ele não coma mais o verde desse chão
Pra passarinho nesta terra em paz morar

O tempo e o vento

Voltas e voltas com o tempo
Num passo sereno
Girando em um carrossel
Valsando soltas
Em gostas de orvalho
Caindo aos pés
Traçando linhas e laços
Cobrindo o espaço
Com fios de um carretel
Tecem as linhas
A teia dourada
Em cachos de mel
Brincam nos ares
Põem tudo ao chão
Rodopiam té o céu, e vão
Numa dança
Breve
Leve
Sempre
Nesse passo
Tudo se vai

As horas levam as folhas
A pipa o anel
A tesoura, a pedra e o papel
De vento em vento
Os anos acenam
E a gente cresceu
Brincam nos ares
Põem tudo ao chão
Rodopiam té o céu e vão
Numa dança
Breve
Leve
Sempre
Nesse passo
Tudo se vai

A bailarina

Ela é linda, a bailarina, e só eu sei
Que quem olhar, com os mesmos olhos que a olhei
Irá perder a inocência, e ela por fim
Terá roubado o sono de um querubim

Ela traz sonhos, quando ri, é tal e qual
E sempre olha nos meus olhos no final
E eu, anjo torto, todo dia torno a ver
Perder meus passos no seu passo de pliê

Ela dança na ponta dos sonhos
E flutua no azul dos meus olhos
Ela salta nas horas do dia
E quando ela não vem
Subo até encostar onde piso
E insisto em voar, por que não?
Só se sonha como a bailarina
Com os pés fora do chão

Ela é linda e se existe, eu não sei
Mas quem olhar, com os mesmos olhos que chorei
Irá jurar ter visto um anjo querubim
E que é real tudo que viu, até o fim

Ela traz risos aos meus lábios no final
Se por meus olhos, pelos seus, não sei por quais
Meus passos tortos vou perdendo, sem sentir
E ajoelhado, ao seu passo, vou dormir

Ela dança na ponta dos sonhos
E flutua no azul dos meus olhos
Ela salta nas horas do dia
E quando ela não vem
Subo até encostar onde piso
E insisto em voar, por que não?
Só se sonha como a bailarina
Com os pés fora do chão

Dentro de mim

Os seus olhos, tem a cor dos meus sonhos
A estrela mais bela, que se vê da janela
Do meu coração
Não, se avexe não
Fique dentro de mim, viu?
More sempre por lá, sim?
Que depois de você
Ninguém mais vai morar
Dentro de mim
Você é em mim, um pedaço que não sou eu
Mas você é mais eu, que qualquer pedaço de mim
Os seus olhos, tem ardor e um ligeiro cansaço
Que me causa embaraço que me pega nos braços
Me tira o chão
Não, não finja não
Sabe que estou aqui, sim!
Que não sou sem você, não!
E se eu sou você
Juro não me perder
Pra mais ninguém
Você é em mim, um pedaço que não sou eu
Mas você é mais eu, que qualquer pedaço de mim

Como é bonito quando a arte, inspira arte!

Texto de Rousiane Silva Cavalcanti

Ontem à noite


A lua, envergonhada, se escondeu ao ver o moço simples que cantava, com a ponta dos dedos, versos singelos de emoção revisitada.
Se eram as cordas a imitar as batidas do coração ou o contrário, pouco importa. Na madrugada morna, era possível encontrar qualquer sensação solta ou perdida entre papéis e pensamentos.
O tempo continua usando os mesmos truques. E, às vezes, parece que me deixo seduzir de propósito. Só para me sentir iludida. Só para me fazer pensar que não pensar me tornará ingênua.
Quero meu ouro, mesmo que seja de tolo. Encontrar o velho, estranhar o que é novo e fazer do inusitado um velho conhecido. É que gosto de rimas estranhas e sei que meus afetos são complexos, contudo, se necessário, posso desenhar para quem for disléxico.
Não quero ter a alma doída nem as emoções calejadas. Já não me importo em parecer piegas. Quero de volta a pretensão maliciosa do olhar desconfiado e o desejo de sentir tudo de uma vez sem me preocupar se vai sobrar um pouco para mais tarde. Quero poder acreditar que “os teus olhos têm a cor dos meus sonhos”.
Ontem à noite, a lua veio ouvir que não existiriam mais aquelas noites. A poesia aquietou-se, a música parou, e fomos embora guardando um pouco para depois.