Menino

Lá vem o menino subindo o morro
Com os pés machucados
De não mais brincar
Lá vem o menino
Menino! Menino!
Não brinque com a cuca
Cuca vai pegar
Não brinque com a bola
Com a roda, com a lata
Lá vem uma farda
Melhor nem tentar
E volta pra casa
Um pouco mais cedo
Não fique a toa se quiser voltar
E reza e chora e implora socorro
Pra passar a noite e o sol vê raiar
Tomara menino
Menino tomara
Tomara que a noite
Não vá te buscar
Ê menino
Que homem
Não piche o que prometeu
Ê menino
Que a noite
Não leve o futuro seu
A noite se foi
Com ela, o bento
O João Lazarento, o Chico e o Dé
E o filho mais velho
De dona Francisca
Que mora em cima do bar da Zezé
E foi-se também
O olhar do menino
Perdido entre o céu e o morro vizinho
Quem sabe tentando
Ainda se achar
Em outro lugar, que não seja ali
Aonde a amizade perdure por lá
E não é preciso chorar pra dormir
Lá vai o menino descendo o morro
Pesando na hora de ter que voltar
Com os pés machucados
De tanta saudade
De um lugar que se possa brincar
Ê menino
Que homem
Não piche o que prometeu
Ê menino
Que a noite
Não leve o futuro seu

Sol maior


Eu te quero uma melodia qual for do meu dia
Quem nasce pra ser musa, meu bem
Não perde um pé de tristeza ou de alegria
Se espalha
Ainda que não saiba
Me inspira e reparas
Que os meus dias serão teus
Os meus versos serão teus
E o toque da caneta no papel
Te incluirá na pauta
Serei o réu primário dessa flauta do cupido
Serás esculpida em notas
Não fáceis, mas frouxas
Soltas aos tons das gotas dos segundos
Eu serei teu musico, e tu
O meu mundo de sóis e bemóis, e nós
Sem nenhum acidente
Viveremos numa escala crescente, ascendente
Do grave para o agudo do amor
Não sentiremos mais dor
E não andaremos mais mudos
As flores das desilusões
Que nascem no escuro
Passaram como vagões de trem
Do zero ao cem, do cem ao surdo
Ou como vultos que não se presta atenção
Importará a canção
A melodia passeando em harmonia
Trinta dias, doze meses, cem mil anos
Todas as notas do piano
Que couberem em minhas mãos, serão só tuas
E quando as mãos, que te compõem
Mudarem em rugas
Serás eterna
Infindamente, delas, música  

Chora sertão

Já faz seis meses que não chove no sertão
Já não há mais um pingo d água no açude
Eu já chorei, eu já rezei mais do que pude
Pedindo, ao nosso Deus do céu, que nos ajude
Já não há mais comida, nem pros carniceiros
E os passarinhos, que cantavam no terreiro
Bateram asas para longe do sertão
E voltarão, quando a vida aqui voltar
Quisera eu, ó Deus do céu, tivesse asas
Pra que eu pudesse passarinho acompanhar
Quisera eu, ó Deus do céu, tivesse asas
Pra que eu pudesse passarinho acompanhar
Chora sertão, com o teu pranto, planta aqui neste lugar
Uma esperança, um alento certo e sem demora
Pra passarinho pra essa terra regressar
Chora sertão, e vai dizer ao sol que arde, sem cessar
Que ele não coma mais o verde desse chão
Pra passarinho nesta terra em paz morar
Só quem viveu, neste lugar
Sabe que a terra, tudo dá
Não vou deixar o meu sertão
Pra ir viver na contramão
Se é pra sofrer, eu sofro por cá
Sei dos perigos que há por lá
Pra ter fartura e verde chão
Basta encharcar o meu sertão
Chora sertão, com o teu pranto, planta aqui neste lugar
Uma esperança, um alento certo e sem demora
Pra passarinho pra essa terra regressar
Chora sertão, e vai dizer ao sol que arde, sem cessar
Que ele não coma mais o verde desse chão
Pra passarinho nesta terra em paz morar

O tempo e o vento

Voltas e voltas com o tempo
Num passo sereno
Girando em um carrossel
Valsando soltas
Em gostas de orvalho
Caindo aos pés
Traçando linhas e laços
Cobrindo o espaço
Com fios de um carretel
Tecem as linhas
A teia dourada
Em cachos de mel
Brincam nos ares
Põem tudo ao chão
Rodopiam té o céu, e vão
Numa dança
Breve
Leve
Sempre
Nesse passo
Tudo se vai

As horas levam as folhas
A pipa o anel
A tesoura, a pedra e o papel
De vento em vento
Os anos acenam
E a gente cresceu
Brincam nos ares
Põem tudo ao chão
Rodopiam té o céu e vão
Numa dança
Breve
Leve
Sempre
Nesse passo
Tudo se vai

A bailarina

Ela é linda, a bailarina, e só eu sei
Que quem olhar, com os mesmos olhos que a olhei
Irá perder a inocência, e ela por fim
Terá roubado o sono de um querubim

Ela traz sonhos, quando ri, é tal e qual
E sempre olha nos meus olhos no final
E eu, anjo torto, todo dia torno a ver
Perder meus passos no seu passo de pliê

Ela dança na ponta dos sonhos
E flutua no azul dos meus olhos
Ela salta nas horas do dia
E quando ela não vem
Subo até encostar onde piso
E insisto em voar, por que não?
Só se sonha como a bailarina
Com os pés fora do chão

Ela é linda e se existe, eu não sei
Mas quem olhar, com os mesmos olhos que chorei
Irá jurar ter visto um anjo querubim
E que é real tudo que viu, até o fim

Ela traz risos aos meus lábios no final
Se por meus olhos, pelos seus, não sei por quais
Meus passos tortos vou perdendo, sem sentir
E ajoelhado, ao seu passo, vou dormir

Ela dança na ponta dos sonhos
E flutua no azul dos meus olhos
Ela salta nas horas do dia
E quando ela não vem
Subo até encostar onde piso
E insisto em voar, por que não?
Só se sonha como a bailarina
Com os pés fora do chão